Dias Toffoli, Presidente do STF e do CNJ. Foto: G.Dettmar/Agência CNJ |
Pragmático e pouco afeito a enfrentamentos, Toffoli se tornou um entusiasta das ideias professadas por quem passou a ocupar o Planalto
Por Gustavo Freire Barbosa*
“Insurgências de natureza pretoriana, à semelhança do ovo da
serpente, descaracterizam o poder civil ao mesmo tempo em que o
desrespeitam”, afirmou o ministro Celso de Mello durante a sessão
plenária do STF que, em abril do ano passado, julgou habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Lula.
O ministro respondia a um ameaçador tweet do general Eduardo Villas Bôas na véspera do julgamento. Nele, o militar assegurou à nação que “o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.
O ministro respondia a um ameaçador tweet do general Eduardo Villas Bôas na véspera do julgamento. Nele, o militar assegurou à nação que “o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.
A tentativa de colocar a faca no pescoço do STF não passou
batida pelo decano, que em seu voto disse também que “é preciso
ressaltar que a experiência concreta que se submeteu o Brasil no regime
de exceção constitui para esta e próximas gerações uma grande
advertência que não pode ser ignorada”.
A mesma sensibilidade histórica, contudo, não tocou o coração da
maioria de seus pares – em especial o do ministro Dias Toffoli,
presidente da corte que vem demonstrando uma indiscreta subserviência às
forças pretorianas denunciadas por seu colega.
Em claro aceno à caserna, Toffoli nomeou em outubro o general da
reserva Fernando Azevedo e Silva como assessor. O ministro foi pedir
indicações ao mesmo Villas Bôas que poucos meses antes havia ameaçado a
corte que preside. Daí surgiu a recomendação de Azevedo[1],
cuja proximidade com Bolsonaro, a quem conhece desde a década de 70,
fez nascer o convite para assumir o Ministério da Defesa. “É com muita alegria que vejo o anúncio do nome do General Fernando Azevedo e Silva para Ministro de Estado da Defesa”, afirmou o seu ex-chefe em incontida alegria.
Azevedo é amicíssimo do general Mourão, que já defendeu a
possibilidade de um “autogolpe” e de uma nova Constituição elaborada por
um grupo de notáveis, sem passar pelo Congresso Nacional. Se
considerarmos o histórico de Toffoli junto a movimentos de esquerda e ao
PT, a conclusão mais óbvia seria a de que afirmações como esta jamais
contariam com seu aval.
O Toffoli ministro, entretanto, é diferente do Toffoli advogado que,
dentre outras coisas, fez campanha para Luiza Erundina em 1988,
trabalhou em ONG’s em defesa do direito à moradia urbana, assessorou
trabalhadores rurais na CUT, advogou para Lula em suas campanhas e
assumiu cargos nos governos petistas até ser nomeado Advogado-Geral da
União antes de ser alçado ao STF pelo ex-presidente.
Pragmático e pouco afeito a enfrentamentos, Toffoli se tornou um
entusiasta das ideias professadas por quem passou a ocupar o Planalto em
2019.
“Hoje, não me refiro nem mais a golpe nem a revolução. Me refiro a movimento de 1964”,
falou em palestra na Faculdade de Direito da USP em homenagem aos 30
anos da Constituição Federal. O fato de passar o pano para o golpe de
1964 citando o historiador Daniel Aarão Reis Filho o fez levar um puxão
de orelha da sua fonte: “a interpretação é vesgamente enviesada, procura
um ponto de equilíbrio que não existe em história e tem como resultado a
absolvição histórica do golpe e dos golpistas. No limite, e
este limite foi agora ultrapassado pelo Toffoli, preconizam deixar de se
falar em ditadura”.
As piscadelas de Toffoli para o bolsonarismo vêm sendo uma espécie de
marca da sua gestão. O ministro já adiantou que o STF não deve barrar a
flexibilização do acesso e uso de armas, reformou a decisão de
Lewandowski que reconheceu o direito da imprensa de entrevistar Lula e
suspendeu a liminar dada pelo ministro Marco Aurélio que poderia soltar o
ex-presidente. Tamanho empenho lhe garantiu afagos do atual mandatário
pelo Twitter.
A história não nos permite criar a expectativa de que o poder
judiciário é um local de resistência a autoritarismos de toda espécie.
Pelo contrário, é mais comum que seja um local de reprodução e
legitimação de práticas autoritárias. Foi em virtude de discordarem do
alinhamento do STF com a ditadura militar que os ministros Evandro Lins e
Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal foram perseguidos. Não há lei
que não esteja sujeita a malabarismos interpretativos e a jeitinhos
hermenêuticos que tornem possível a adequação de barbaridades ao
ordenamento jurídico.
Toffoli deu um passo além ao levantar os polegares para o Planalto
antes mesmo de suas pendengas lhe chegarem ao gabinete. Comporta-se,
assim, como Genelício, personagem do “Triste Fim de Policarpo Quaresma”,
de Lima Barreto:
“moço, menos de trinta anos, ameaçava ter um grande futuro. Não havia ninguém mais bajulador e submisso do que ele. Nenhum pudor, nenhuma vergonha! Enchia os chefes e os superiores de todo o incenso que podia”.
Para Genelício, o melhor é não ter ideias – mas se as tiver, que
tenham a consistência de uma gelatina no asfalto ao sol do meio-dia,
possíveis de se adaptar às conveniências do momento. É o que ensina um
pai ao filho no conto “Teoria do Medalhão”, de Machado de Assis. “Deves
pôr todo o cuidado nas idéias que houveres de nutrir para uso alheio e
próprio”, explica, emendando que “pode-se, com violência, abafá-las,
escondê-las até à morte; mas nem essa habilidade é comum, nem tão
constante esforço conviria ao exercício da vida”.
Ao tratar de sua calvície, Eduardo Galeano vê com satisfação a solidez de suas convicções com o passar do tempo: “também
me consolo comprovando que em todos esses anos caíram muitos de meus
cabelos mas nenhuma das minhas ideias, o que acaba sendo uma alegria
quando a gente pensa em todos esses arrependidos que andam por aí”.
O desafio dos dez anos, em voga nas redes sociais, deixa claro que o
ministro não perdeu muitos fios com o passar dos anos. Perdeu, todavia,
outras coisas muito mais importantes.
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