21 janeiro 2019

A submissão de Toffoli ao bolsonarismo


Dias Toffoli, Presidente do STF e do CNJ. Foto: G.Dettmar/Agência CNJ

Pragmático e pouco afeito a enfrentamentos, Toffoli se tornou um entusiasta das ideias professadas por quem passou a ocupar o Planalto  


Por Gustavo Freire Barbosa*


“Insurgências de natureza pretoriana, à semelhança do ovo da serpente, descaracterizam o poder civil ao mesmo tempo em que o desrespeitam”, afirmou o ministro Celso de Mello durante a sessão plenária do STF que, em abril do ano passado, julgou habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Lula.

O ministro respondia a um ameaçador tweet do general Eduardo Villas Bôas na véspera do julgamento. Nele, o militar assegurou à nação que “o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.

A tentativa de colocar a faca no pescoço do STF não passou batida pelo decano, que em seu voto disse também que “é preciso ressaltar que a experiência concreta que se submeteu o Brasil no regime de exceção constitui para esta e próximas gerações uma grande advertência que não pode ser ignorada”.

A mesma sensibilidade histórica, contudo, não tocou o coração da maioria de seus pares – em especial o do ministro Dias Toffoli, presidente da corte que vem demonstrando uma indiscreta subserviência às forças pretorianas denunciadas por seu colega.

Em claro aceno à caserna, Toffoli nomeou em outubro o general da reserva Fernando Azevedo e Silva como assessor. O ministro foi pedir indicações ao mesmo Villas Bôas que poucos meses antes havia ameaçado a corte que preside. Daí surgiu a recomendação de Azevedo[1], cuja proximidade com Bolsonaro, a quem conhece desde a década de 70, fez nascer o convite para assumir o Ministério da Defesa. “É com muita alegria que vejo o anúncio do nome do General Fernando Azevedo e Silva para Ministro de Estado da Defesa”, afirmou o seu ex-chefe em incontida alegria.

Azevedo é amicíssimo do general Mourão, que já defendeu a possibilidade de um “autogolpe” e de uma nova Constituição elaborada por um grupo de notáveis, sem passar pelo Congresso Nacional. Se considerarmos o histórico de Toffoli junto a movimentos de esquerda e ao PT, a conclusão mais óbvia seria a de que afirmações como esta jamais contariam com seu aval.

O Toffoli ministro, entretanto, é diferente do Toffoli advogado que, dentre outras coisas, fez campanha para Luiza Erundina em 1988, trabalhou em ONG’s em defesa do direito à moradia urbana, assessorou trabalhadores rurais na CUT, advogou para Lula em suas campanhas e assumiu cargos nos governos petistas até ser nomeado Advogado-Geral da União antes de ser alçado ao STF pelo ex-presidente.

Pragmático e pouco afeito a enfrentamentos, Toffoli se tornou um entusiasta das ideias professadas por quem passou a ocupar o Planalto em 2019.

“Hoje, não me refiro nem mais a golpe nem a revolução. Me refiro a movimento de 1964”, falou em palestra na Faculdade de Direito da USP em homenagem aos 30 anos da Constituição Federal.  O fato de passar o pano para o golpe de 1964 citando o historiador Daniel Aarão Reis Filho o fez levar um puxão de orelha da sua fonte: “a interpretação é vesgamente enviesada, procura um ponto de equilíbrio que não existe em história e tem como resultado a absolvição histórica do golpe e dos golpistas. No limite, e este limite foi agora ultrapassado pelo Toffoli, preconizam deixar de se falar em ditadura”.

As piscadelas de Toffoli para o bolsonarismo vêm sendo uma espécie de marca da sua gestão. O ministro já adiantou que o STF não deve barrar a flexibilização do acesso e uso de armas, reformou a decisão de Lewandowski que reconheceu o direito da imprensa de entrevistar Lula e suspendeu a liminar dada pelo ministro Marco Aurélio que poderia soltar o ex-presidente. Tamanho empenho lhe garantiu afagos do atual mandatário pelo Twitter.

A história não nos permite criar a expectativa de que o poder judiciário é um local de resistência a autoritarismos de toda espécie. Pelo contrário, é mais comum que seja um local de reprodução e legitimação de práticas autoritárias. Foi em virtude de discordarem do alinhamento do STF com a ditadura militar que os ministros Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal foram perseguidos. Não há lei que não esteja sujeita a malabarismos interpretativos e a jeitinhos hermenêuticos que tornem possível a adequação de barbaridades ao ordenamento jurídico.

Toffoli deu um passo além ao levantar os polegares para o Planalto antes mesmo de suas pendengas lhe chegarem ao gabinete. Comporta-se, assim, como Genelício, personagem do “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto:
“moço, menos de trinta anos, ameaçava ter um grande futuro. Não havia ninguém mais bajulador e submisso do que ele. Nenhum pudor, nenhuma vergonha! Enchia os chefes e os superiores de todo o incenso que podia”.
Para Genelício, o melhor é não ter ideias – mas se as tiver, que tenham a consistência de uma gelatina no asfalto ao sol do meio-dia, possíveis de se adaptar às conveniências do momento. É o que ensina um pai ao filho no conto “Teoria do Medalhão”, de Machado de Assis. “Deves pôr todo o cuidado nas idéias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio”, explica, emendando que “pode-se, com violência, abafá-las, escondê-las até à morte; mas nem essa habilidade é comum, nem tão constante esforço conviria ao exercício da vida”.

Ao tratar de sua calvície, Eduardo Galeano vê com satisfação a solidez de suas convicções com o passar do tempo: “também me consolo comprovando que em todos esses anos caíram muitos de meus cabelos mas nenhuma das minhas ideias, o que acaba sendo uma alegria quando a gente pensa em todos esses arrependidos que andam por aí”. O desafio dos dez anos, em voga nas redes sociais, deixa claro que o ministro não perdeu muitos fios com o passar dos anos. Perdeu, todavia, outras coisas muito mais importantes.

*Advogado. -Postado originalmente na Carta Capital 

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