Coluna Crítica & Autocrítica - nº 148
GERMINAL (Resenha)
Por Júlio Garcia**
"Na estrada de terra que liga a pequena cidade de Marchiennes à de Montsou, no Norte da França, um homem caminha, só, durante a noite sem estrelas.
O
homem tinha saído às duas horas de Marchiennes e caminhava com passos
largos, tremendo sob o vento glacial. Uma única ideia ocupava o
pensamento desse operário desempregado: a esperança de que o frio
diminuísse com o raiar do dia”.
Assim inicia Germinal, magistral obra do escritor francês Émile Zola, sem dúvida um dos grandes romances do século XIX, expoente maior da escola que ficou conhecida como ‘naturalismo literário’.
Émile
Zola baseou-se para escrevê-la em acontecimentos verídicos ocorridos
nas minas de carvão do Norte da França, em 1867, período da Revolução
Industrial. Trabalhou como mineiro e como repórter, vivenciando e
testemunhando a duríssima realidade social e a brutalidade do cotidiano
nas minas, onde a insegurança, as péssimas condições de vida e de
trabalho, aliadas a salários escorchantes, a exploração desumana de uma
carga horária de até 16 horas diárias que não poupava sequer velhos,
mulheres e crianças, somadas à fome, miséria e promiscuidade eram a
tônica.
Segundo explica Silvana Salerno, tradutora da obra editada pela Cia Das Letras/2000 e também responsável pela sua adaptação “Germinal
é o nome do primeiro mês da primavera no calendário da Revolução
Francesa. Ao usar essa palavra como título de seu livro, Zola associa as
sementes das novas plantas à possibilidade de transformação social: por
mais que se arranquem os brotos das mudanças, eles sempre voltarão a
germinar”. Informa ainda que “Germinal é o primeiro romance a enfocar a luta de classes
no momento de sua eclosão. A história se passa na segunda metade do
século XIX, mas os sofrimentos que Zola descreve continuam presentes em
nosso tempo. É uma obra em tons escuros. Termina ensolarada, com a esperança de uma nova ordem social para o mundo”.
Silvana Salerno está coberta de razão. A leitura de Germinal é,
sem nenhum exagero - e por todas as razões já elencadas -
imprescindível. Está também disponível em vídeo, através de uma produção
francesa de 1993, muito bem dirigida por Claude Berri, trazendo no
elenco nada mais nada menos do que Gerárd Depárdieu, Miou-Miou, Jean
Carmet e Jean-Roger Milo, dentre outros excelentes atores.
Para
concluir, vejam só a profunda esperança no porvir, a certeza da vitória
final dos trabalhadores, recheada da mais pura poesia, inseridas nesse
fecho extraordinário que Émile Zola dá para sua obra magistral, agora buscando a tradução de Francisco Bittencour (Abril Cultural, SP - 1981):
“Agora, em pleno céu, o sol de abril brilhava em toda sua glória, aquecendo a terra que germinava. Do flanco nutriz brotava a vida, os rebentos desabrochavam em folhas verdes, os campos estremeciam com o brotar da relva. Por todos os lados as sementes cresciam, alongavam-se, furavam a planície, em seu caminho para o calor e a luz.
Um transbordamento de seiva escorria sussurrante, o ruído dos germes
expandia-se num grande beijo. E ainda, cada vez mais distintamente, como
se estivessem mais próximos da superfície, os companheiros cavavam. Aos
raios chamejantes do astro rei, naquela manhã de juventude, era daquele
rumor que o campo estava cheio. Homens brotavam, um
exército negro, vingador, que germinava lentamente nos sulcos da terra,
crescendo para as colheitas do século futuro, cuja germinação não
tardaria em fazer rebentar a terra”.
...
*Nota deste Escrevinhador:
A Resenha acima, de minha autoria, foi publicada na Edição que circulou
em 27/04/2018 deste conceituado jornal, inaugurando a série de Colunas
que venho publicando desde então, na qualidade de colaborador do mesmo.
Atendendo a vários pedidos, estou republicando-a.
Em que pese os tempos sombrios e o retrocesso brutal que estamos vivenciando em nosso país – e no mundo! -, Germinal, essa grande obra-prima
da literatura mundial que recomendo leitura, contém, além do belíssimo
relato da luta dos trabalhadores naquele (também) conturbado período da
humanidade, inegável pujança e atualidade, bem como profunda Poesia e
ensinamentos sobre Resistência, Esperança - e a busca permanente por um ‘Outro Mundo Possível’ (sem explorados e sem exploradores).
#Alutasegue!
...
**Júlio César Schmitt Garcia é Advogado, Pós-Graduado em Direito do Estado, Midioativista. Foi um dos fundadores do PT e da CUT. - Republicado no Jornal A Folha (do qual é Colunista) em 11/01/2019.
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