A DIREITA DA ESQUERDA
Por Wanderley Guilherme dos Santos*
Se Jair Bolsonaro é uma aberração
política, como acredito, então dificilmente representa ou virá a
representar os conservadores. Nem mesmo os direitistas radicais
acompanhariam inteiramente o breviário bolsonariano, catálogo de
universal excomunhão de pecados e sem reconhecimento de outra virtude
que a de carcereiros e carrascos. Nenhuma indicação sobre a cidade
virginal a construir. Entendo seus inabaláveis 19 a 20% das intenções de
voto como expressão de um eleitorado lumpen, constituído basicamente
por recrutados a duas categorias de cidadãos: motoristas de taxi e
militares na reserva. A estes grupos com identidade própria se agrega
parte dos crônicos trabalhadores precarizados, não os atuais
desempregados com histórico associativo. São os ajudantes de obras em
constante rodízio de local de trabalho; os ambulantes, pagando dízimos a
cafetões civis e policiais; os biscateiros, os ressentidos e
traumatizados pela vida. Nem sempre aderem a candidatos mercuriais, mas
quando votam normalmente, o fazem por motivos estranhos. Com frequência
atribuem ao escolhido opiniões que estes jamais sustentaram. Eleitores
lumpen são, caracteristicamente, mono temáticos, opacos à leitura ou
audição de nada além do que lhes desperte a fúria redentora. Eles são
Bolsonaro.
Sou cético a respeito do futuro
eleitoral de Jair Bolsonaro. Os conservadores estão presos à
racionalidade da produção mercantil, guardiães das algemas que
constrangem o Estado, ciosos de que os timoneiros cumpram sem
sobressaltos o roteiro consagrado na legislação sobre a propriedade. O
trauma Jânio Quadros já caía no esquecimento quando Fernando Collor fez o
obséquio de beliscar a consciência de classe. Creio que liberais e
conservadores votariam até em Lula, se candidato fosse, em confronto
decisivo com tamanha e trovejante aberração uniformizada.
Por isso, liberais, conservadores e
convictos direitistas ainda não têm candidato. Não é bom. Que eu me
recorde, a representação do capital nunca perdeu por wo, por
recusa ao combate. Bom lembrar que a direita detém o monopólio de um
recurso diabólico: o golpe de Estado. Golpes de Estado contemporâneos
dispensam a iniciativa armada, usufruindo do brilhantismo de seus
advogados, virtuosos em escrever em prosa constitucional a mais
deslavada pornografia política. O estoque de artifícios é elástico,
sedutores o suficiente para persuadir os profissionais da força que
conquistamos o máximo de harmonia possível, dentro da lei. Mas eis que
lá, em hora desprevenida, um togado poliglota dispara uma citação de
Leibniz e, pronto, caímos em democracia ainda melhor, aquela em que, em
nossa cegueira, seremos governados pela vanguarda iluminada dos sem
voto.
Melhor aparecer um candidato
conservador legítimo, mas tolerante da democracia, com legitimidade para
reconhecer e aceitar eventual derrota.
*Professor e Cientista Político
-Fonte: 'Segunda Opinião' - in http://insightnet.com.brntos é um cientista político brasileiro, autor de vários livros e artigos na área de Ciências Sociais.
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