Temer, a Petrobras e os caminhoneiros
A
história das movimentações políticas e reivindicatórias de determinadas
categorias sociais carrega consigo uma tendência a apresentar elementos
de natureza conservadora e retrógrada. Travestidos de manifestações de
protesto contra políticas setoriais, tais movimentos muitas vezes acabam
por enganar a opinião pública e provocar crises políticas mais amplas.
Parente e Temer: "Duplinha" contra os interesses nacionais
Por Paulo Kliass*
Em
geral, as greves de caminhoneiros tendem a ser um exemplo bem
característico desse quadro de confusão. Talvez a mais dramática de
todas tenha sido a atuação dessa categoria no Chile, às vésperas do
golpe que derrubou o governo de Salvador Allende.
Pesquisas de
historiadores acabaram por confirmar a profunda articulação existente à
época entre as lideranças do famoso “paro patronal” em outubro de 1972 e
as forças organizadas pela CIA e os representantes da oposição burguesa
e empresarial ao governo da Unidade Popular. Ao mesclar interesses de
empresas de carga e proprietários autônomos de caminhões, aquela greve
aprofundou um quadro de desabastecimento generalizado pelo país e
contribuiu para ampliar a crise política que chegou ao assassinato do
presidente eleito e a tomada do poder pelos militares.
Na nossa
vizinha Argentina a categoria também é muito bem organizada e obtém
sucessivas conquistas em função de sua capacidade de pressão sobre os
governos. As mobilizações ocorrem com periodicidade quase anual e não
costumam perdoar os ocupantes da Casa Rosada, seja Cristina Kirchner ou
seja Macri, para falar apenas dos mais recentes.
Chile, Argentina, Brasil: caminhoneiros em ação.
Ao
longo dessa semana, o Brasil assiste a mais um capítulo de
manifestações organizadas por entidades vinculadas ao setor de
transporte de cargas por rodovias. A base objetiva para a ampla adesão
ao movimento reside, obviamente, nas elevadas taxas de impopularidade do
governo Temer e suas desastrosas opções de política econômica. No caso
concreto, estamos falando da estratégia adotada para o setor da energia,
em especial a conduta escolhida para a Petrobras.
Ao nomear o
tucano Pedro Parente para o cargo de presidente do maior conglomerado
empresarial brasileiro, Temer fez muito mais do que simplesmente
agradecer de forma generosa pelos apoios emprestados pelo PSDB à sua
empreitada para assumir o Palácio do Planalto, inclusive com o incentivo
decisivo para o sucesso do “golpeachment”. A intenção maior era dar
início ao processo de privatização dessa estatal gigante e que atua em
área estratégica para a economia e a sociedade brasileiras. Assim, o
novo dirigente começou a implementar, logo de início, um caminho de
“desinvestimento” na empresa. Na verdade, um termo pomposo e enganador
para o procedimento objetivo de venda de ativos do grupo estatal para o
setor privado. Em português claro, o substantivo mais adequado para esse
crime contra a economia nacional é privatização.
Além disso, foi
conferida a Parente uma impressionante autonomia para gerir a mudança
fatal no processo de exploração das reservas valiosíssimas do Pré-Sal.
Atendendo a pleitos das grandes empresas petroleiras estrangeiras, o
governo retirou a exclusividade da Petrobras para a tarefa de organizar a
retirada do óleo e gás daquelas camadas profundas. Uma loucura! Afinal,
trata-se de uma reserva potencial imensa e não há justificativa que
apoie tal iniciativa que prejudica a inserção internacional do Brasil,
compromete nossa segurança nacional e reduz de forma sensível o uso
adequado dos recursos de tal exploração econômica em um Fundo Soberano
para as futuras gerações.
Outra linha adotada pelo tucano
refere-se ao reforço da narrativa demagógica de evitar o assim chamado
“uso político” da Petrobras. Amparado no desgaste de imagem provocado
pelos escândalos revelados pela Operação Lava Jato, o governo resolveu
dar um verdadeiro cavalo de pau na política de preços praticados pela
empresa. Isso significa a adoção de uma paridade automática com as
variações do preço do petróleo no mercado internacional. Na prática, a
Petrobras passou a aumentar os preços internos praticados nas refinarias
apenas em função das mudanças externas.
Parente e o desmonte da Petrobras.
A
retórica utilizada para justificar essa mudança se apoiava no chamado
“realismo tarifário” e na condenação da política anterior de contenção
de aumentos nos preços dos derivados de petróleo para evitar
contaminação inflacionária. No entanto, o fato concreto é que a
Petrobras é uma empresa pública atuando em setor estratégico. Assim,
nada mais compreensível que os governos democraticamente eleitos adotem
políticas para ela. Por exemplo, não é razoável supor que a Petrobras
siga de maneira cega ou ingênua as regras das empresas privadas do setor
nem mesmo os seus critérios de lucro e retorno financeiro.
No
entanto, o quadro havia mudado bastante desde quando FHC resolveu
internacionalizar a empresa e quase conseguiu transformar seu nome em
“Petrobrax”. Afinal, a prioridade absoluta de seu governo era atrair o
interesse dos meios do financismo internacional para investir em papéis
da nossa petroleira na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Ao assumir esse
compromisso, a partir daquele momento o governo brasileiro estava se
sujeitando às regras desse tipo de mercado, onde o interesse único é a
rentabilidade especulativa sobre o título e não a contribuição da
empresa para o desenvolvimento econômico e social de nosso país.
Ao
mudar a política de preços mais recentemente, Parente terminou por
criar uma armadilha de médio prazo para o próprio governo Temer. Afinal,
estava claro que os baixos preços do barril do petróleo seriam
recuperados em algum momento futuro. Pois a fatura chegou. Em uma
primeira fase, foram os sistemáticos reajustes no preço do gás de
cozinha, que estão provocando um piora dramática nas condições de vida
da maioria da população de baixa renda. Com o desemprego monumental e a
redução dos salários, pesquisas indicam que teve início a substituição
dessa fonte de preparação de alimentos por lenha nas cozinhas da
população mais desprotegida. Uma loucura!
Gás de cozinha, gasolina, diesel: aumentos sem parar.
Os
aumentos frequentes nos preços de gasolina e diesel também passaram a
pesar nas contas da classe média, além do impacto generalizado nos
índices de inflação em razão do uso generalizado dessa fonte de energia
pelo Brasil afora. E a população começou a perceber que a tal política
de preços só operava para aumentos. Nas inúmeras ocasiões em que o preço
do petróleo havia sido reduzido, os efeitos de queda jamais eram
sentidos nos postos de gasolina.
Apesar de todas as evidências em
contrário, o governo seguiu fazendo ouvidos moucos a tais reclamos
generalizados de insatisfação com tal estratégia. A situação mudou a
partir da semana passada. Com o forte simbolismo de cinco reajustes
seguidos nos preços em uma única semana, o movimento dos caminhoneiros
ganhou expressão nacional. E foi só a partir de tal pressão que Temer
resolveu se mexer. Afinal, estão programadas eleições para o mês de
outubro e os candidatos alinhados com o governo não querem saber de
ainda mais novidades negativas para carregar como fardo pesado e
incômodo em suas campanhas.
Assim, é bem provável que aquela
bravata toda da “seriedade e competência” da área técnica em não ceder a
pressões políticas seja abandonada. As trapalhadas todas de Trump na
cena global têm contribuído para uma elevação dos preços do petróleo no
mercado internacional. Se o governo Temer mantiver essa obstinação burra
de manter a equiparação automática, é bem capaz de tenhamos uma
explosão ainda mais acentuada aqui dentro.
Reajuste automático de preços: política burra.
Não
faz sentido que o Brasil adote essa política que só se justifica para
países que dependem totalmente do petróleo importado. No nosso caso,
pelo contrário, somos auto suficientes graças à nossa grande produção
interna. Ao longo de 2017, por exemplo, nosso saldo na Balança Comercial
do óleo foi positivo em US$ 3,7 bilhões. Isso significa que exportamos
mais do que importamos. O único raciocínio que pode explicar esse tiro
no pé da duplinha Temer & Parente refere-se à preocupação com o
investidor externo. Sim porque o detentor de ações pode considerar
esquisito que a Petrobras deixe de ganhar ainda mais dinheiro com a alta
nos preços do barril de petróleo praticada pelo cartel da OPEP. Afinal,
isso representa menor valorização do papel nas bolsas e menor
participação nos dividendos. Mas e daí?
Ora, estamos tratando de
uma empresa pública e que deve atender prioritariamente aos interesses
da maioria da população brasileira. O fundamental é que os resultados
positivos de sua atividade econômica sejam utilizados para aumentar sua
capacidade de produção interna, com mais investimentos. A remuneração
dos lucros do acionista minoritário nas bolsas estrangeiras não pode ser
o fator a determinar, por exemplo, a política de preços.
No
entanto, por mais uma dessas ironias da História, Temer talvez seja
obrigado a ceder ao movimento dos caminhoneiros. Depois de ignorar os
pleitos generalizados por mudanças na política de desmonte na empresa,
ele pode recuar frente ao poderoso lobby dos empresários da área de
transportes. Felizmente no momento atual, os caminhoneiros terminam por
verbalizar o sentimento generalizado de descontentamento popular com
esse governo, que se desmancha um pouco mais a cada novo dia que passa.
*Paulo
Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do
governo federal.
-Via Portal http://www.vermelho.org.br e O Boqueirão Online
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