Desvios na interpretação da Constituição, em vez de benefícios, produz prejuízos para o indivíduo e a coletividade |
Associação aponta ser ilusório acreditar que suprimir garantias
constitucionais possa trazer resultados positivos no combate à
impunidade
São Paulo – RBA - A Associação Juízes pela Democracia (AJD)
divulgou nota técnica nesta terça-feira (27) em que se manifesta
contrária à possibilidade de decretação de prisão antes de esgotados
todos os recursos cabíveis em um processo. Segundo a nota, o artigo 5º
da Constituição Federal, que determina em um dos seus parágrafos que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", é claro o suficiente e não admite interpretação.
"Trata-se de dispositivo categórico, imperativo e que, justamente em
razão de não suscitar qualquer dúvida, não admite interpretação e sim a
aplicação do que está efetivamente escrito", dizem os juízes.
Segundo eles, o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF)
que autoriza a prisão a partir de condenação em segunda instância
representa "supressão" de garantias constitucionais. Eles também alertam
que é "ilusório" acreditar que tal entendimento colaboraria para a
diminuir a impunidade.
Os juízes destacam que as múltiplas instâncias recursivas servem
justamente para limitar o poder do Estado, prevenindo assim o arbítrio e
também o erro judicial. "O desvio dos imperativos constitucionais,
longe de trazer os efeitos almejados por aqueles que insistem em
fazê-lo, somente se traduzirá em prejuízos para o indivíduo e a
coletividade."
Confira a nota da AJD na íntegra:
A prisão decretada antes do trânsito em julgado é inconstitucional
A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade
não governamental, sem fins lucrativos ou corporativistas, que congrega
juízes de todo o território nacional e que tem por objetivo primordial a
luta pelo respeito aos valores próprios do Estado Democrático de
Direito, vem apresentar NOTA TÉCNICA a respeito da
inconstitucionalidade, diante da inteligência do art. 5º, LVII, da
Constituição da República, da prisão decretada após decisão proferida em
segundo grau de jurisdição, sem a existência do trânsito em julgado.
1. O art. 5º, LVII, da Lei Maior, institui a garantia
de o indivíduo somente ser privado de sua liberdade com arrimo em
decisão condenatória quando esta transitar em julgado, ou seja, na
hipótese de não haver mais recurso cabível. Trata-se de dispositivo
categórico, imperativo e que, justamente em razão de não suscitar
qualquer dúvida, não admite interpretação e sim a aplicação do que está
efetivamente escrito.
2. A tentativa de supressão da garantia mencionada
encontra-se dentro de um perigoso contexto de relativização de direitos e
garantias fundamentais, tendência que busca se perpetrar com o desígnio
ilusório de, no caso, diminuir a impunidade. Olvida-se, no entanto, que
as garantias processuais penais, importantes conquistas civilizatórias,
não se traduzem em obstáculo para a efetiva aplicação da lei penal, mas
sim em formulações destinadas a impedir o arbítrio estatal, dificultar o
erro judiciário e conferir um tratamento digno de maneira indistinta a
todos os indivíduos.
3. A Carta Magna expressamente proíbe, a não ser no
caso de prisão cautelar, que o indivíduo venha a ter sua liberdade
suprimida quando ainda houver recurso contra a decisão condenatória. No
mesmo sentido da garantia constitucional, estão disciplinados
dispositivos previstos na legislação ordinária (art. 283 do Código de
Processo Penal e art. 105 da Lei das Execuções Penais, lei esta que
exige o trânsito em julgado inclusive para o cumprimento da pena
restritiva de direitos – art. 147 – e pagamento de multa – art. 164).
Sendo plena e comprovadamente possível as instâncias superiores
modificarem questões afetas à liberdade, seu cerceamento antecipado
mostra-se incompatível com nossa realidade constitucional.
4. A pavimentação do Estado Democrático de Direito
somente é possível dentro da estrita observância da Constituição da
República. O desvio dos imperativos constitucionais, longe de trazer os
efeitos almejados por aqueles que insistem em fazê-lo, somente se
traduzirá em prejuízos para o indivíduo e a coletividade.
5. A Associação Juízes para a Democracia, por
considerar a prisão decorrente de decisão condenatória sem o trânsito em
julgado incompatível com o cumprimento da Constituição da República,
vem manifestar-se contrária à relativização da referida garantia
constitucional.
São Paulo, 27 de março de 2018
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