Luís Eduardo Gomes, no Sul21*
“Se eu pensar, desde a minha infância eu sou uma feminista. Eu ouvia de uma das minhas avós o questionamento de o porquê que ela ia botar os filhos a arrumar a casa se ela tinha filhas mulheres. Eu passei a minha questionando porque a minha outra avó trabalhava da manhã à noite em casa para o meu avô chegar e assistir televisão. Sempre fiz essas perguntas nos momentos de convívio social. Era tachada como uma menina que tinha problemas, quando, na verdade, eu tinha soluções. Problemas tinham eles”.
A aposentada Arlene Barcellos é uma das mulheres que participaram, na tarde desta quinta-feira, 8 de março, Dia Internacional de Mulher, de uma assembleia de mulheres na Esquina Democrática, no Centro de Porto Alegre. No evento, tiveram a oportunidade de falar sobre o que significava o feminismo para elas, quais eram as suas lutas, o que as motivava a estar na rua lutando por direitos.
Em muitas das falas, aparecia a necessidade de enfrentamento da violência contra a mulher. “Eu morro 22 vezes no dia. Eu sofro agressão física 40 mil vezes”, diz Arlene, citando estatísticas presentes no panfleto entregue no ato. “É como se eu fosse agredida e morta todos os dias porque cada mulher que é agredida agride a minha condição”.
A luta de Jocelaine Santos da Silva também é contra a violência, o que inclui a violência que assola a sua comunidade, o bairro Cascata. “A minha luta diária mais importante é referente à violência que está acontecendo na minha comunidade, a falta de policiamento”, diz. “Violência essa que afeta áreas como a educação. “A gente lutou muito para ter EJA, segundo grau na nossa escola, e agora estão pensando em fechar por causa da violência. Tem um adolescente que eu conheço que não quer estudar de noite por medo, porque não tem policiamento, tem briga de gangues. A escola está com medo de abrir. A minha luta é pela segurança. A minha luta é pelo EJA, para que pessoas as possam recomeçar”, complementa Jocelaine, que faz parte do Outras Amélias, movimento que faz um trabalho de ir a comunidades periféricas para estimular que mais mulheres lutem pelos seus direitos.
Vinda de Santana do Livramento, onde trabalha com movimentos sociais, Gleci Madruga Mendes disse que uma das suas lutas é contra o racismo, mas não só isso. “Nós temos que lutar porque, de primeira, as mulheres ficavam encolhidas dentro de casa, só os homens falavam. Hoje, a mulher estuda, trabalha, pode fazer uma faculdade, a mulher pode chegar mais alto que o homem e isso eles não aceitam. Então, eu acho que a gente tem que se unir”, disse, sem antes também acrescentar que é preciso lutar contra os governos de Michel Temer e José Ivo Sartori. “Esse nosso presidente é uma vergonha, o governador nem se fala, quer tirar o nosso IPE”.
Para a aposentada Cinara de Souza Machado, o 8 de março também é um dia das mulheres no mundo inteiro se unirem para lutar pela igualdade. “No mundo inteiro existe essa desigualdade, principalmente as mulheres mais carentes, de baixa renda, as negras, sofrem ainda mais discriminação em relação aos outros. O 8 de março é contra as injustiças que as mulheres carregam mais fortemente que os homens. É um marco nesse sentido, das mulheres do mundo inteiro se rebelarem contra essa injustiça. E aí, claro que cada país, cada local tem a sua especificidade. Nós aqui somos mulheres que lutamos contra o golpe quando a Dilma foi tirada do governo, que para nós representa um grande atraso nos avanços que as mulheres conquistaram”, diz.
Já para a estudante secundarista Eduarda Vitória, de Viamão, o 8 de março é um dia de emoções mistas. “Eu acho um pouco triste ter um dia para homenagear aqueles mulheres que foram mortas por querer o direito delas. Eu acho legal, mas ao mesmo tempo é muito triste. Tiveram que morrer mais de cem mulheres para poder terem voz, para serem lembradas. E depois de muito tempo que a gente teve esse dia para nos homenagear, eu acho legal, mas ao mesmo tempo é muito triste”, diz Eduardo Vitória, lembrando o incêndio que matou 125 mulheres em uma fábrica de Nova York em 25 de março de 1911, e que é uma das datas relacionadas à origem do Dia Internacional da Mulher.
Para ela, a luta das mulheres é só pela igualdade, pelos mesmos direitos, para poderem escolher qualquer roupa para sair de casa sem se preocupar se vão ou não ouvir coisas como “Oi, psiu. Vem aqui”. “A gente quer poder ser livre para fazer qualquer coisa. Igualdade e só. É muito ridículo a gente ter que lutar para poder ter igualdade”.
Outra Eduarda, a Webber, estudante de Direito, além do machismo, sofre com a lesbofobia. “Pelo fato de eu ser lésbica, sempre ouço piadas desagradáveis quando namoro ou coisa do gênero. Mas em âmbito de trabalho, as mulheres sofrem muito com a desigualdade salarial, prestando o mesmo serviço que o homem, recebendo 30% a menos. Já conseguimos muitas vitórias, mas não estamos nem perto de conseguir a equidade ainda”, diz.
Para ela, a luta das mulheres, não pode ser só no 8 de março, mas sim diária, porque todos os dias sofrem com o machismo e a misoginia. “O dia 8 representa isso, mas tinha que ter mais visibilidade durante todo o ano para não ocorrer tudo que acontece, não só no Brasil, mas em vários outros países onde a gente vê crimes bárbaros relacionados à violência contra a mulher”.
Uma das organizadoras do ato, Naiara Malavolta, do Fórum Estadual de Mulheres e da Marcha Mundial das Mulheres, avalia que a importância do 8 de março é a busca pela unidade das mulheres ao redor do mundo. “A gente entra um pouco nas pautas do RS, de Porto Alegre, mas a gente entende que existe hoje um sistema machista e misógino que oprime as mulheres de uma forma ou de outra no mundo inteiro. Se tu pegar os países ricos, a gente vê as mesmas formas de opressão que vemos nos países mais pobres. As mulheres têm mais anos de estudo e ganham menos, não ocupam os espaços de chefia, quando ocupam é porque se comportam como homens, tentando reproduzir um comportamento que não é o natural das mulheres”.
Um dia que é sim para passar “um pouquinho” a ideologia feminista uma para a outra. “A gente fala em feminismo e a propaganda é tão grande contra, que as pessoas dizem assim: ‘se tu é feminista, porque eu não posso ser machista?’ Como se uma coisa fosse o contrário da outra, e não é. O feminismo luta pela emancipação das mulheres, enquanto o machismo luta pela submissão. A luta das mulheres é a luta de cada uma, daquelas que compreendem isso e daquelas que não compreendem”.
Naiara ainda critica o fato de que, mesmo em um dia como o 8 de março, a imagem da mulher ainda é trabalhada sob a ótica da sexualidade. “A gente estava aqui dividindo o espaço com uma outra atividade em que eles estavam distribuindo lingeries para as mulheres na rua. Por quê? Esse é o artigo mais importante que a mulher tem para usar? É a beleza da mulher o mais importante? Tem muita coisa para gente alterar e vir para a rua é parte desse processo”.
Ela diz que, nesse trabalho de conscientização para a emancipação, costuma brincar com algumas mulheres perguntando qual o machismo que sofreram hoje. “Elas tem um pouquinho de dificuldade de entender. Eu disse assim para uma: ‘tu saiu com o teu marido, quem dirigiu o carro?’ ‘É ele, mas é porque ele gosta mais’. ‘Mas ele te perguntou se tu gosta de dirigir?’ Então, existem pequenos gestos que a gente precisa desconstruir”.
Já Arlene direciona uma pergunta semelhante para os homens: “Qual a atitude machista que a partir de hoje vocês não irão mais adotar definitivamente?”
*Fonte: Sul21
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