Por Paulo Muzell*
FHC é, sem nenhuma dúvida, a maior expressão política da direita brasileira das últimas quatro décadas. Carioca, construiu sua carreira política em São Paulo, o centro do poder econômico e político do país.
Descende de uma família de militares; seu pai, o general Leônidas
Cardoso, foi um ativista, ferrenho nacionalista, eleito deputado federal
pelo PTB. Sob a liderança de Monteiro Lobato e na companhia de Barbosa
Lima Sobrinho e outros, Leônidas teve destacado protagonismo na campanha
“O petróleo é nosso”, que resultou na criação da Petrobras por Getúlio
Vargas em 1953.
Militante de esquerda, FHC formou-se em
sociologia, recebendo no início dos anos sessenta vários prêmios e
reconhecimento acadêmico com a publicação “Dependência e desenvolvimento
na América Latina”. Nesta etapa de sua vida ele parecia acreditar que
era possível superar o crônico subdesenvolvimento do país, apostava na
construção de uma nação soberana. Sua obra tinha clara e forte
influência de pensadores da Cepal, especialmente de Celso Furtado e de
Raul Prebisch.
O golpe militar de 1964 obrigou-o a exilar-se
primeiro no Chile e depois na Franca. Retornou em 1968 e, em 1974,
filiou-se ao MDB.
Em 1983 FHC assumiu uma cadeira no Senado por São Paulo substituindo o titular, Franco Montoro que se elegeu governador. Em 1988 deixou o PMDB, integrando um grupo de dissidentes que fundou o PSDB. Se o ano de 1983 marca a entrada de FHC no cenário político nacional, 1988 foi o que poderíamos chamar de o ano da “virada”. FHC afirmou que o PSDB seria um partido com um olhar do centro com viés à esquerda, o que, logo se viu, nada tinha a ver com a realidade. O PSDB logo mostrou a que veio, se consolidou como um dos pilares do neoliberalismo. Arrocho fiscal, desregulamentação do setor financeiro, do comércio, terceirização, leia-se precarização do trabalho, estado mínimo, privatizações, abertura ao capital estrangeiro. No seu discurso o livre mercado, a garantia à livre concorrência resultaria, inevitavelmente, no avanço tecnológico e no aumento da renda e da riqueza. Uma nova UDN, versão pós-moderna. Na prática a gente sentiu na pele o que realmente aconteceu: aumento do poder e do lucro do capital, especialmente o financeiro, redução dos salários e dos direitos dos trabalhadores, desnacionalização e mais desigualdade. FHC deu um giro de 180º graus à direita, é claro. Ao ser cobrado foi muito claro, afirmou: “esqueçam tudo o que eu escrevi”.
Desde o final dos anos setenta os ventos do neoliberalismo
sopravam com intensidade crescente na Europa, Nos Estados Unidos e, aqui
na América Latina, no Chile. FHC viu que defender os interesses
patronais e servir a nossa atrasada e entreguista oligarquia era o
caminho mais fácil para chegar ao poder. No PSDB, sua carreira política
decolou. Apoiou Collor contra Lula no segundo turno das eleições de
1990. Collor renunciou, Itamar Franco assumiu a presidência e nomeou FHC
ministro de Relações Exteriores e depois da Fazenda. O cargo de
ministro da Fazenda foi para ele uma loteria: surfou no sucesso do Plano
Real e se elegeu presidente da república nas eleições de 1994. Ficou
oito anos no poder, de 1995 a 2002.
Seu governo acabou com o
monopólio da exploração do petróleo da Petrobras, escancarando as portas
para as petrolíferas estrangeiras. Seu pai, o general Leônidas Cardoso
cinquenta anos atrás afirmara que “o petróleo é nosso”. FHC, retrucou e
anunciou para o capital estrangeiro: “o petróleo é vosso”. Mudou o
conceito de empresa nacional, criando facilidades para a entrada de
capitais internacionais. Abriu a navegação de cabotagem às empresas
estrangeiras e num programa de grandes investimentos em gás canalizado
facilitou a entrada de capitais externos ao proibir a participação da
Petrobras. O entreguismo foi uma marca registrada do seu governo.
Implementou um grande programa de privatizações
marcado por denúncias de corrupção. O jornalista Amaury Junior no seu
livro “A privataria tucana” apontou desvios bilionários, solidamente
documentados, ocorridos nas privatizações da Vale, da Telebras e dos
bancos estatais, dentre outras. O próprio FHC, seu filho Paulo Henrique,
Gustavo Franco, José Serra, Tasso Jereissati, dentre muitos e muitos
outros integrantes do seu governo foram denunciados. Através de contas
CC5 mais de 20 bilhões de dólares – resultados das pilhagens - foram
irregularmente transferidos através de paraísos fiscais para o exterior.
Ilicitudes na SUDAM e na SUDENE desviaram dos cofres públicos mais de
2,4 bilhões de reais, montante expressos a preços da época. Nenhuma
denúncia teve qualquer consequência: além de blindado pela Globo e
demais veículos da grande mídia, FHC colocou na Procuradoria de
República Geraldo Brindeiro, que ficou conhecido como o “Engavetador
Geral da República”.
FHC deixou um péssimo legado. Seu
sucessor assumiu um país com alto desemprego, elevada dívida pública
interna e externa, reservas cambiais zeradas e uma inflação num patamar
alarmante, ameaçando disparar. Um melancólico final de governo.
Ele completara 71 anos quando transmitiu o cargo a Luiz Inácio em
janeiro de 2003. De lá para cá, ao longo desses quinze anos viveu das
glórias passadas e de novas honrarias que delas decorreram. Virou
presidente de honra do PSDB, título que hoje não é motivo de muito
orgulho: o partido tem um Aécio Neves na presidência. Recebeu vinte e
nove títulos de “Doutor Honoris Causa” e é membro de dezenas de
conselhos consultivos de institutos e de clubes nacionais e
internacionais. Tem colunas nos grandes jornalões – Globo, Estado de São
Paulo -, e fartos espaços na grande mídia que o mima, até demais.
Espaços que anos após ano evidenciam o aumento de sua decadência, de sua decrepitude intelectual. Recentemente traiu até seu próprio
partido, o PSDB, ao tornar público seu apoio à candidatura de Luciano
Huck, um apresentador da Globo, um neófito na política, cuja biografia
evidencia que não tem as mínimas condições para assumir uma presidência
da república. Eleger Huck seria entregar o poder diretamente à Globo,
desempregando os intermediários. Huck é hoje chamado, com razão, de o
“tiririca dos ricos”.
FHC não conseguiu
digerir as amargas derrotas em quatro eleições presidenciais sucessivas.
Inveja a liderança, a popularidade e o carisma de Lula. Odeia o PT. Foi
um crime o seu apoio ao ridículo e desastroso golpe de 2016, que está
levando o país ao caos. Sua ambição desenfreada fez que trocasse de
lado, virasse uma figura bufa, caricata. Ele abandonou a luta e a
esperança de construir uma grande nação. Próximo dos 87 anos, FHC é um
vira-casaca no ocaso.
*Paulo Muzell (foto) é Economista e articulista.
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